Dolo e culpa
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
Seguro não existe para indenizar ações dolosas praticadas pelo segurado. Essa afirmação é ampla e se aplica a todos os tipos de apólices. A função do seguro é indenizar danos sofridos por bens e pessoas. Estes danos podem ter várias origens, inclusive dolosa, mas, para efeito de indenização pelo seguro, não é possível que o ato doloso tenha sido cometido pelo segurado.
É o caso do seguro de incêndio. No seguro de incêndio, os incêndios criminosos são cobertos e as indenizações devidamente pagas, sem qualquer tipo de contestação por parte da seguradora, exceto nos casos em que há a participação intencional do segurado. Nos casos em que o segurado ou seu representante deliberadamente participam direta ou indiretamente da ação que origina o fogo. Seja como o autor do incêndio, seja como mandante, seja como participante da ação, a exclusão de cobertura se impõe e a seguradora fica liberada do pagamento.
Todavia, se quem coloca fogo é um funcionário demitido que deseja se vingar da empresa, o seguro de incêndio aceita o evento como coberto e a indenização é paga.
No seguro de responsabilidade civil, o tratamento dado ao tema varia um pouco em relação ao que acontece nos seguros de incêndio, mas, nem por isso, a seguradora indeniza os danos causados deliberadamente pelo segurado ou seu representante.
É o caso do motorista que dirige embriagado e causa um acidente. Os prejuízos decorrentes do acidente não serão pagos pelo seguro, seja para o segurado, seja para terceiro atingido por ele, através da apólice de responsabilidade civil.
Importante frisar que o ato doloso não é o acidente, nem os prejuízos decorrentes deles. O ato doloso é dirigir embriagado. Quem define o dolo é a lei. Não há dolo sem previsão legal. Ao determinar que é crime dirigir após a ingestão de bebida alcoólica, a lei cria a figura necessária para a tipificação legal do ato e a desoneração da seguradora da obrigação de pagar a indenização, seja para o segurado, seja para terceiro atingido por ele.
Mas a responsabilidade civil tem um enorme espaço legal, através de diferentes tipos de ações e situações que podem causar danos a terceiros, boa parte delas bem mais complexas do que um acidente de trânsito.
Nos acidentes causados por produtos fabricados ou distribuídos pelo segurado, são comuns situações em que a culpa é elemento fundamental na origem do acidente. É o caso da utilização acidental de produto defeituoso para a fabricação do produto final. Seja por falha nos controles de qualidade, seja por negligência ou imperícia, não é tão raro acontecer de um produto sair defeituoso de sua linha de montagem.
Nestes casos, em que não há dolo, mas apenas a culpa, o seguro de responsabilidade civil produtos deve ser acionado e a indenização paga. O problema é quando o segurado deliberadamente permite a adulteração do produto, seja para baratear preço, seja para utilizar material com data de validade vencida. Nestes casos, a seguradora não é obrigada a indenizar.
Da mesma forma, dificilmente o seguro indenizará os prejuízos, que podem atingir mais de 10 bilhões de dólares, decorrentes do recente escândalo envolvendo a fraude em testes sobre as quantidades de poluentes emitidos pelos seus veículos, feita pela Volkswagen. Trata-se de ação deliberadamente praticada ao longo de vários anos para fraudar a autoridade vistoriadora. Quer dizer, o fabricante sabia que estava informando números abaixo dos reais e o fazia de propósito, com evidente intenção de obter um ganho indevido em consequência de sua ação. No caso, lucrar com a economia feita com a utilização de produtos menos sofisticados para manter as emissões dos carros abaixo dos parâmetros das autoridades, especialmente, norte-americanas.
Finalmente, existem seguros que dão cobertura com base na responsabilidade objetiva do segurado, nos quais a culpa deixa de ser elemento para a caracterização do evento. O simples fato de um determinado evento acontecer gera a obrigação da indenização. Mas, mais uma vez, aqui também, nos casos em que houver dolo do segurado, a indenização deixa de ser devida.
Voltar à listagem