Devagar com o andor porque o santo quebra
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
A SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) segue firme na sua toada para mudar o setor de seguros. A ideia é desregulamentar, flexibilizar, descomplicar e dar velocidade para uma atividade tradicionalmente pesada em função de ser severamente regulada pelo governo. Até aí, tudo bem, o conceito está absolutamente correto. O grande beneficiário deve ser o segurado e, em termos macros, a sociedade, que passará a contar com serviços e produtos mais adequados, mais abrangentes e mais baratos para proteger o patrimônio nacional.
A ideia de tirar o governo de cima, dando mais autonomia para as companhias atuarem de acordo com seus planos estratégicos, faz todo o sentido, ainda mais num mundo em constante transformação e que, neste momento, ainda não sabe como ficará depois da pandemia do coronavírus.
Menos regulamentado, o setor terá uma liberdade hoje inexistente e poderá desenvolver produtos e formas de atuação sintonizadas com as necessidades de proteção de pessoas e empresas, nos mais variados campos de atuação. Com a possibilidade de desenharem seus produtos de acordo com suas capacidades e planejamento comercial, as seguradoras com certeza colocarão no mercado seguros modernos, abrangentes, mais baratos e mais em conformidade com o público do que os atuais.
Sob este aspecto, as iniciativas da SUSEP devem ser não apenas aplaudidas, como apoiadas e incentivadas. O setor de seguros tem pouca criatividade, pouca concorrência e poucos diferenciais. Na base está a interferência da própria autarquia que, ao normatizar e regular da forma como o faz, amarra as seguradoras a regras e normas muitas vezes inibidoras de sua criatividade, quase que obrigando-as, em termos de produtos, a serem umas praticamente iguais às outras, como se o setor fosse um jogo de espelhos que refletem, mais ou menos distorcidos, os mesmos desenhos básicos.
Ao pretender mudar e modernizar o setor de seguros, a SUSEP está seguindo a trilha do que vai acontecendo pelo mundo, copiando o que foi experimentado e deu certo em outros países, bem como adaptando ações desencadeadas pelo Banco Central para modernizar o sistema financeiro. Nada de errado nisto. Afinal, não há razão para se inventar a roda duas vezes. Se alguém fez e deu certo, guardadas as proporções e tipicidades, não há por que não implementar o que foi feito, visando o benefício da sociedade.
Entre as ações com potencial de sucesso, o “sandbox de seguros” vai se destacando, tanto que a SUSEP está abrindo a licitação para uma segunda rodada de companhias. Mas a autarquia quer mais e é aí que a cautela precisa ser lembrada e respeitada. Se há um sentimento que é um risco enorme para as ações humanas, com certeza, ele se chama vaidade. Por conta dela, impérios caíram, reis perderam a coroa, campeões beijaram a lona e muita coisa que tinha tudo para dar certo acabou dando errado.
Já falei sobre isso quando tratei do “open insurance”. O tema é delicado. Envolve uma série de fatores e variáveis que precisam ser muito bem estudados para não colocar em risco ganhos importantes, práticas consolidadas e usos e costumes relevantes. Também é necessário ter calma, afinal, o assunto ainda não maturou em nenhum mercado relevante e um bom número de nações está longe de adotá-lo.
Agora a SUSEP pretende mexer nas regras dos seguros de veículos, visando diminuir a participação das grandes seguradoras na carteira. Se olharmos o que acontece no mundo, as grandes seguradoras de seguros gerais são também as grandes seguradoras de veículos e isso faz todo o sentido porque, entre os seguros massificados, o seguro de veículos tem lugar de destaque entre os produtos mais comercializados.
Ninguém é contra mexer no seguro de veículos para dar liberdade para as seguradoras desenharem produtos mais aderentes as necessidades da população. Estas mudanças poderiam, inclusive, trazer as associações de proteção veicular para dentro de regras de controle hoje inexistentes. O que não pode é mexer para mudar, sem saber o que vai acontecer.
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