De tudo falta um pouco
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Falta vacina contra o coronavírus. O total de vacinas que será entregue para imunizar a população no mês de abril, como tem sido regra, será menor do que o prometido pelo governo.
Falta medicamentos para o “kit intubação”. A ameaça da falta destes insumos fez o Governo Federal requisitar a totalidade de sua produção, impendido que os fabricantes mantivessem seus contratos de venda com a rede hospitalar. A ideia era centralizar tudo no Ministério da Saúde e encaminhar os medicamentos de acordo com as necessidades dos Estados e Municípios. Só que o Ministério não consegue fazer as entregas em tempo hábil, nem nas quantidades necessárias, e o resultado é que vários hospitais ao redor do país suspenderam a internação de novos pacientes, enquanto outros são obrigados a amarrar os doentes intubados, que estão acordados, mas sem a aplicação dos remédios.
Falta bom senso para as autoridades encarregadas da pandemia. Não há a menor hipótese de um acerto para o gerenciamento centralizado do coronavírus no país. Comissões são criadas e esquecidas. Promessas são feitas. O Presidente da República, que é o grande culpado pela situação, faz ameaças veladas de insurreição popular, enquanto sua popularidade despenca. O Presidente do Senado faz que faz, mas não faz, até o Supremo Tribunal Federal ser obrigado a mandá-lo fazer. E por aí vamos, num festival de falta de comprometimento com a realidade e de respeito com a população, que vê quatro mil pessoas morrerem por dia, com o risco deste número aumentar até o fim de abril.
Falta bom senso para o povo. A quantidade de pessoas andando de um lado para o outro sem máscaras é absurda e não precisa ser mostrada pela televisão. Basta sair na rua e observar ao redor. Mas para quem quer mais, as televisões exibem situações de risco nas grandes cidades, nas cidades médias e pequenas numa velocidade impressionante, fora as matérias que são descartadas e não são levadas ao ar por falta de interesse, repetição do tema ou por não causarem impacto no público.
Falta critério para Estados e Prefeituras. Os especialistas sérios são unânimes em afirmar que ainda é cedo para relaxar as medidas restritivas aplicadas nas últimas semanas. Que abrandá-las agora pode ser um tiro no pé e que os números de internações e mortes podem voltar a subir rapidamente, num momento em que o sistema de saúde está desaparelhado para atender os casos mais graves. O que se vê é exatamente o contrário. Estados e Prefeituras estão amolecendo as regras e facilitando as aglomerações e o contágio.
Falta gente vacinada. O Brasil já aplicou a primeira dose em 11% da população, mas para o cidadão ser imunizado são necessárias as duas doses e aí nós não temos 4% dos brasileiros vacinados. Não por culpa dos profissionais na linha de frente, mas porque não temos vacinas e, fenômeno novo, mais de um milhão e meio de brasileiros simplesmente não foi receber a segunda dose.
Falta governo. O Brasil atravessa uma fase próxima ao caos. Os três Poderes estão próximos da desmoralização. As regras não são respeitadas. A chantagem é instrumento de poder. A incompetência e o nepotismo são a regra e custam caro. E por aí vamos. Como dizia o professor Gofredo da Silva Telles, o caos é uma ordem que não nos convém, mas isso não significa que não tenha quem adore o que está acontecendo e jogue todas as fichas na piora do quadro.
Não tem como acabar bem. A inflação está subindo, a fome se aproxima de um número maior de brasileiros, os moradores de rua aumentam. O desemprego segue firme e a recuperação da economia já foi jogada para 2022.
Neste cenário, é impossível imaginar a economia crescendo, as empresas investindo, desenvolvendo pesquisas, contratando colaboradores ou realizando ações que não sejam de defesa e proteção de seu negócio e da própria sobrevivência.
Não é o setor de seguros que deve ter um ano medíocre. A economia brasileira só teria chance se conseguíssemos conter a pandemia. Como ela está fora de controle.
De tudo falta um pouco, só nos resta um pouco de esperança.