Crise e sinistralidade
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Uma das consequências mais perversas das crises econômicas é o aumento do número de eventos capazes de causar prejuízos. Nos momentos de fartura há naturalmente um maior cuidado com o patrimônio, as manutenções são feitas no momento certo, as reposições seguem o cronograma, o emprego garantido faz com que as pessoas pensem menos em como levar vantagem em cima das outras, e por aí vamos, numa série de boas vibrações que minimizam o aumento de acidentes.
Nas crises o cenário é o oposto. Pessoas e empresas olham, antes de tudo, para o próprio umbigo e isso faz com que comecem a ter ideias estranhas, algumas legais, outras nem tanto, todas com potencial para gerar prejuízos.
Como não poderia deixar de ser, este cenário, ruim para a sociedade, é pior para as seguradoras, que acabam suportando custos mais elevados em virtude dos mais variados fatores que aumentam o impacto negativo nos momentos de cinto apertado.
Não bastasse a crise ter um imenso componente negativo, decorrente da queda da qualidade de vida e da redução da produção, aliada ao aumento dos custos, dos juros e do desemprego, ela gera desânimo, falta de vontade e a consequente incapacidade de tomar providências que poderiam melhorar o quadro em volta, minimizando os riscos diretos e indiretos que ameaçam a sociedade.
Entre os fatores que aumentam a sinistralidade nas épocas de crise, vale começar pelo mais dramático: o maior número de fraudes contra as seguradoras. Fraudes de todas as naturezas, mas a maioria delas, as chamadas fraudes de ocasião, praticadas por pessoas honestas que, vítimas do desespero, acabam enveredando por caminhos escusos e fazendo o que, em outra situação, jamais fariam.
Embora haja o argumento da necessidade, ela por si só não abona ações criminosas, como, por exemplo, vender um carro para desmanche e dar queixa de furto para a seguradora, um dos delitos que mais crescem nas quadras adversas.
Muitas vezes o objetivo da fraude é conseguir recursos para ações nobres, como pagar salários e fazer frente aos credores. Mas nem por isso deixa de ser contra a lei, além do que não há razão para, seja pelo motivo que for, alguém que não tem nada com isso pagar os compromissos de outro que está com o caixa baixo.
Mas não são apenas os atos contrários à lei que elevam os custos das seguradoras. A ameaça de desemprego acelera o uso dos planos de saúde privados, com consultas e exames sendo agendados antecipadamente, motivados pelo medo de perder o benefício em caso de demissão.
Além disso, o desemprego leva a outra situação ruim para as operadoras de planos de saúde privados. Com a ameaça de perder o emprego, a alternativa da redução dos vencimentos é um grande negócio para os empregados, só que o resultado costuma ser também a redução do padrão do plano de saúde, o que diminui o faturamento, sem que aconteça, ao mesmo tempo, a redução dos custos de atendimento.
Ainda nesta seara, a queda do faturamento, pela saída de milhares de pessoas dos planos de saúde, também não é acompanhada pela redução da utilização dos planos, inclusive pelas razões acima.
Outro impacto importante é causado pelo relaxamento nos programas de manutenção, desde as revisões de um automóvel até as interrupções de funcionamento de complexos equipamentos industriais para a realização de inspeções periódicas. Menos cuidado significa mais acidentes, de todas as naturezas, pelas mais diversas causas.
Como se não bastasse, as crises levam ao aumento da criminalidade. Nelas vemos mais assaltos, furtos, contos do vigário, latrocínios, homicídios, etc., provocados pela falta de oportunidade para os honestos e pelo surgimento de novas oportunidades para os bandidos.
Para encerrar, as crises incentivam o consumo de bebidas alcoólicas e drogas. As depressões, frustações e humilhações fazem as pessoas buscarem canais de fuga da realidade, além de aumentarem a agressividade, e isto também colabora para a elevação dos custos sociais e das seguradoras em particular. O triste é que neste cenário há pouco que se possa fazer.
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