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Crônicas & Artigos

em 01/11/15

Crise e judicialização da saúde

Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça

A crise que assola o Brasil é mais séria e diferente das outras acontecidas nestes mais de 500 anos de história. Enquanto as anteriores eram crises econômicas e financeiras, com reflexos na política, esta é o oposto: é uma crise política, onde a falta de governabilidade e a falta de credibilidade atingem diretamente a economia. A inflação, os juros altos e o desemprego são a consequência e não a origem da crise. Quer dizer, ainda que este Governo tivesse a capacidade de criar algo tão eficiente quanto o Plano Real, o que não é o caso, não seria suficiente para resolver o problema, já que a origem da crise é política e não econômica. Isto leva a uma série de dúvidas do mercado e do Congresso Nacional a respeito das medidas que o Governo deseja implantar.

A foto mais triste é o desemprego que não para de subir e o desencanto de milhões de pessoas que haviam ascendido à Classe C e estão sendo jogadas de volta na Classe D.

Estas histórias têm um enorme componente socioeconômico com força para agravar mais a situação quase caótica da quantidade de processos judiciais em andamento no Brasil.

Toda crise gera disputas a favor e contra direitos tidos e havidos por certos. A inadimplência, o alto grau de endividamento, a queda da renda, a necessidade de criar prioridades, enfim, as medidas de sobrevivência que a crise impõe são matéria prima para milhares de novos processos de todos os tipos, parte com fundamento, parte procrastinatória.

Entre eles, os planos de saúde privados gerarão um aumento significativo no contencioso entre os segurados e as operadoras dos planos. Quem tem plano de saúde privado faz qualquer sacrifício para não perdê-lo. Quem já passou pela experiência de usar o SUS nos dias de hoje sabe que os planos de saúde privados estão entre os maiores ativos que uma família pode ter.

O aumento do desemprego tem forçado centenas de milhares de brasileiros a retornarem ao SUS porque suas ex-empregadoras, com as demissões, deixam de pagar seus planos ou, no máximo, pagam por mais um período previsto na lei.

Esta situação tem criado um movimento interessante, sob a ótica da autoproteção familiar, que é a diminuição do nível do plano para um patamar inferior, mas ainda muito melhor do que a saúde pública. Mas só isso não tem sido suficiente para manter todos os brasileiros que nos últimos anos conseguiram o benefício dentro do sistema.

Se o resultado é trágico para os segurados que perdem o plano, é dramático para as operadoras, que, com sua saída, perdem faturamento, sem que haja a contrapartida da diminuição nos atendimentos. Ou seja, elas passam a ter menos dinheiro para custear a mesma operação.

A partir deste ponto, é certo o aumento expressivo do contencioso envolvendo planos de saúde privados. E, mais do que nunca, o Poder Judiciário terá que ser extremante cauteloso nas suas decisões.

Não se trata de proteger o cidadão desempregado obrigando plano a manter o atendimento de quem não está mais coberto ou decidir pelo tratamento em patamar mais elevado, ainda que o segurado pagando menos.

O que está em jogo é a sobrevivência do sistema. É preciso se ter claro que os sistemas de atendimento à saúde pública têm como objetivo a preservação da sociedade. Assim, o que importa é atender o maior número possível de pessoas, dentro de padrões satisfatórios, visando dar-lhes a cobertura mais ampla possível. É assim que sistema de saúde pública britânico, tido como o melhor do mundo, tem um rol de procedimentos aprovados e nenhum procedimento não previsto é custeado por ele.

No caso brasileiro, não é razoável ordenar que um plano pague algo que não está coberto porque do outro lado há alguém em risco. Ao fazer isso, especialmente num momento de crise aguda, onde todo o sistema está ameaçado, quem será afetado são as centenas de milhares de outras pessoas que também possuem o plano e que poderão ficar sem atendimento, pela falta de dinheiro resultante do pagamento de procedimentos não cobertos e, por isso mesmo, não contemplados nas mensalidades.

Não é hora de fazer gentileza com o chapéu alheio. Plano de saúde é mutualismo. Sem equilíbrio nas contas o plano quebra. Isso implica na adequação das receitas e das despesas, ou seja, não pode haver pagamento de despesas não cobertas, por mais triste que isso seja.

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