Considerações sobre os acidentes de trânsito
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
O Brasil é um dos campeões mundiais de acidentes de trânsito com vítimas. Ostentamos entre 50 e 60 mil mortos e 600 mil inválidos por ano, o que é número para poucas nações conseguirem se aproximar.
As razões para números tão robustos são simples: motoristas despreparados, veículos sem manutenção, ruas e estradas esburacadas e sem condições de segurança, falta de sinalização, pedestres sem educação e, acima de tudo, um governo omisso, que, quando age, o faz muito mais como resposta a uma tragédia do que com ações estruturadas, consistentes e perenes.
Nada que o país não assista faz muito tempo, não só em relação ao trânsito, mas também na segurança pública, na educação e na saúde. Para não falar em saneamento básico, assistência social e todas as demais áreas envolvendo políticas públicas destinadas a melhorar a qualidade de vida da população.
É como se o Governo não tivesse nada com isso. O resultado pode ser visto melhor no dinheiro investido na saúde pública, onde os planos privados, que atendem 50 milhões de pessoas, entram com mais de 60% do total, sobrando para o atendimento de ¾ da população menos de 35% dos recursos.
O apavorante é que, neste cenário, o Governo ainda consegue piorar o que vai mal e, numa ação que até agora ninguém entendeu, retirou mais de 1,5 bilhão de reis do SUS, de forma inesperada e fora de foco, entre outras coisas, porque ninguém pedia o que foi feito.
A única ferramenta garantida para fazer frente aos custos estratosféricos decorrentes do altíssimo número de vítimas de acidentes de trânsito é o DPVAT, o seguro obrigatório de veículos automotores terrestres. Ainda que por demagogia do Governo, um número alto de proprietários que não paga o IPVA também não pague o DPVAT, o seguro funciona, arrecada bem e cumpre importante função social, já que é invariavelmente a única indenização que os beneficiários das vítimas recebem.
É sempre bom não esquecer que a maioria dos acidentes de trânsito com vítimas atinge pessoas das classes D e E, ou seja, as menos favorecidas, para quem a indenização do DPVAT faz diferença para tocarem em frente, depois de perderem o arrimo da família.
Pois foi aí que o Governo resolveu mexer. Em vez de aumentar o valor das indenizações, uma reclamação antiga da sociedade, que teria valores mais justos para minimizar a perda com a morte ou invalidez permanente da vítima do acidente, o Governo decidiu reduzir o preço do seguro.
Só que ele se esqueceu que metade da arrecadação do DPVAT vai para o sistema público de saúde. Ao cortar o preço do seguro em mais de 30%, o Governo tirou também mais de 1,5 bilhões de reais da rede pública de saúde, como se isso não tivesse forte impacto na qualidade do atendimento atualmente prestado.
De outro lado, as recentes imagens dramáticas dos caminhões de soja parados nas rodovias intransitáveis, gerando prejuízos imensos para a cadeia do agronegócio, mostra que não há nenhuma preocupação mais séria em melhorar as condições das estradas federais, ou seja, não há nenhuma intenção em diminuir os acidentes com vítimas, que acontecem muito em função das más condições das rodovias.
Como se não bastasse, o motorista, que já não presta atenção, que não sabe dirigir, que bebe antes de pegar o carro, que tira rachas em ruas de bairro, ganhou um novo aliado com enorme potencial para aumentar a capacidade de matar e aleijar ainda com mais eficiência.
O uso do telefone celular enquanto se está dirigindo já é a principal causa de acidentes de trânsito na maioria dos países desenvolvidos. Não há razão para o Brasil não estar neste grupo. Com mais de um aparelho por habitante, seu uso pelos motoristas pode ser visto em todas as cidades e estradas nacionais.
Enquanto a realidade for essa, enquanto não tivermos campanhas de educação viária sérias; exames de habilitação que barrem os que não sabem dirigir; policiamento eficiente e não para engordar os caixas do Governo; ruas e estradas bem planejadas e bem mantidas, não há o que fazer, a carnificina continuará correndo solta.
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