Considerações sobre o plano de saúde popular
Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça
O Ministro da Saúde lançou a ideia e ela evoluiu para sugestões para a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) analisar sua conveniência como um produto alternativo aos planos de saúde privados existentes.
Nesta toada, o plano de saúde privado popular teria alguns diferenciais em relação aos planos convencionais.
O tema planos de saúde é sempre explosivo. O Brasil tem atualmente um universo próximo de 50 milhões de pessoas atendidos pelos planos privados. De outro lado, estes planos respondem por 63% do total do dinheiro investido em saúde pública, o que faz com que ¾ da população tenha pouco mais de 30% do total dos recursos para garantir sua saúde.
O cobertor é curto e a lei que regula os planos privados é muito ruim. Num país em que leis ruins são rotina, ela se destaca por ser a maior ameaça ao futuro do sistema suplementar de saúde. Assim, ou mudamos a lei ou em algum momento não muito distante o sistema entrará em colapso, com tudo de dramático e socialmente injusto que um processo desta natureza traz consigo.
Para dar uma ideia da gravidade do quadro, nos últimos três anos as operadoras de planos de saúde privados perderam três milhões de segurados. Só que, junto com a queda da receita, veio o aumento da utilização dos planos pelos que continuaram cobertos, preocupados em perderem o emprego e, com ele, o benefício.
Os planos de saúde privados estão em terceiro lugar entre os sonhos de consumo da população. Só perdem para educação e segurança. A avaliação faz sentido quando comparamos o atendimento da rede privada com o SUS.
Qualquer pessoa que tenha enfrentado a fila para atendimento de um hospital público, ou medianamente informada, fará o que estiver ao seu alcance para ter um plano de saúde privado. Da mesma forma que fará o que estiver ao seu alcance para permanecer nele depois de conseguir contratá-lo.
Em 2016 as operadoras de planos de saúde privados faturaram 160 bilhões de reais. No mesmo período, pagaram 132 bilhões a título de despesas assistenciais. Se somarmos a isso as despesas administrativas e comerciais, veremos que os planos privados estão na boca de fazer água, sendo que 63 operadoras já encerraram o ano com patrimônio negativo.
Considerando apenas os planos médico-hospitalares, o faturamento foi de 155 bilhões de reais e as despesas de 131 bilhões de reais, representado uma taxa de sinistralidade de mais de 84%, o que, somado aos pelo menos 25% de despesas comerciais e administrativas, leva essa conta para mais de 100%, gerando um resultado operacional de menos 1,1 bilhão de reais, parcialmente compensado pelo resultado das aplicações financeiras das operadoras.
Como se vê, o quadro é crítico. E foi neste contexto, visando antes de tudo aliviar o SUS, que o Ministro da Saúde levantou a ideia da criação de um plano popular, que pudesse atender um rol menor de procedimentos cobertos.
A ideia apresentada faz com que o plano popular assuma os procedimentos mais simples, ficando a média e a alta complexidade por conta do SUS. Em teoria, a ideia pode ser muito interessante para todos os envolvidos. O Governo, porque transfere para as operadoras privadas o custo com o atendimento dos procedimentos mais simples, reduzindo a fila do SUS justamente onde ela é mais comprida. As operadoras, porque aumentariam seu faturamento, mas responderiam apenas pelos procedimentos mais baratos. E o cidadão, porque sairia das filas dos hospitais públicos na maioria das vezes em que necessitasse atendimento médico-hospitalar.
O problema é que a teoria na prática costuma ser outra. O assunto pode evoluir positivamente, desde que se leve em conta alguns nós que podem complicar muito o quadro. Em primeiro lugar, a Lei dos Planos de Saúde privados elenca um rol de procedimentos obrigatórios que seria mutilado, reduzindo a responsabilidade da operadora apenas aos procedimentos mais simples.
É aí que entra o advogado, será que isso é legalmente possível? E, ainda que o sendo, será que o Judiciário aceitaria a redução das coberturas, ainda que previstas no contrato?
Ou, no caso de um quadro clínico evoluir negativamente e um paciente com uma infecção sofrer um infarto, como ficaria a responsabilidade pelo custeio? Será que o plano poderia passá-lo, no meio do tratamento, para o SUS? São questões delicadas que precisam de uma análise mais profunda.
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