Cesariana ou parto normal?
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Os médicos norte-americanos não gostam de cesariana. Por conta disso, conheço mulheres que chegaram a ficar, depois do início do trabalho de parto, mais de 24 horas esperando o filho nascer.
Não adianta insistir, lá eles não negociam. Enquanto houver a possibilidade da criança nascer através de parto normal serão tomadas todas as medidas necessárias para que isso aconteça. A cesariana é vista como exceção absoluta. Só é utilizada em última instância, quando não há outro recurso ou para salvar a mãe e a criança.
Há quem diga que os norte-americanos estão certos, há quem diga que o sofrimento experimentado por algumas mulheres e seus filhos, no momento do parto, pode deixar marcas sérias, físicas e psíquicas, tanto numa como noutro.
A tradição brasileira é menos radical. Aliás, bem menos radical. De acordo com dados oficiais, a incidência de cesarianas na rede pública é de 40% dos partos, enquanto nos planos de saúde privados atinge o total de 85% dos nascimentos. Não há dúvida, é um número muito elevado. E fica muito acima da média dos países desenvolvidos.
O problema é que o quadro não é novo. Faz décadas que a cirurgia cesariana é feita em grande escala no Brasil. Está errado? Está certo? É um problema com consequências reais para as pacientes e as crianças? É só uma questão de custo? Tanto faz, haverá sempre quem defenda e quem ataque a quantidade de cesarianas realizadas no país.
Questões filosóficas, morais, religiosas, de risco à saúde da mãe e do filho, de conveniência, de medo, de saúde pública, de custos sociais, etc. invariavelmente balizarão as discussões sobre o assunto e as soluções mais adequadas.
É um cenário preocupante? Com relação aos patamares encontrados nos partos pagos pelos planos de saúde privados, sem dúvida nenhuma. Mais de 80% dos procedimentos realizados através de cirurgias cesarianas assusta.
É por isso que a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS decidiu se envolver na questão e baixar regulamentação visando coibir o uso indiscriminado das cesarianas pelas mulheres seguradas pelos planos de saúde privados.
Como não poderia deixar de ser, as novas regras causaram reações fortes, contra e a favor. A primeira pergunta que eu ouvi é se a mudança não havia sido orquestrada pelas operadoras dos planos de saúde privados, interessadas em reduzir os custos dos partos. Afinal, a cesariana é mais cara do que o parto normal.
Daí em diante, ouvi argumentos os mais lógicos e os menos lógicos a favor e contra a ação da ANS. Que, diga-se de passagem, no dia seguinte à promulgação da Resolução criando restrições radicais, deu macha-ré e decidiu flexibilizar as regras, abrindo espaço para que a cesariana eletiva continue a ser feita, desde que a mulher assine um documento assumindo a responsabilidade e dizendo que está ciente dos riscos de uma cesariana.
Não discuto, a ANS tem razão em se preocupar com o altíssimo número de cesarianas feitas através dos planos de saúde privados. Principalmente se levarmos em conta a realidade norte-americana e dos demais países ricos, onde o parto natural é privilegiado e a cesariana vista como exceção a ser utilizada em último caso.
De outro lado, até que ponto cabe a uma agência reguladora se imiscuir na vida das pessoas, ainda mais de uma mulher grávida coberta por um plano de saúde privado, em princípio – já que teve competência para gerar o filho – alguém com capacidade socioeconômica e discernimento para decidir o que é melhor para ela?
Assim, a flexibilização das regras da Resolução, anunciada pela ANS logo no dia seguinte, é uma medida de bom senso e deve minimizar eventuais problemas criados pela nova diretriz. Mas a pergunta que fica é por que fazer mal feito? Será que a reação não era óbvia? Por que não baixar a Resolução já com todas as alternativas, inclusive a possibilidade de fazer cesariana de acordo com a vontade da mulher? A sensação que se tem é que a burocracia brasileira adora complicar o que pode ser simples. Invariavelmente por incompetência.
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