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Crônicas & Artigos

em 16/12/19

A tristeza do rescaldo

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

Quem já viu um incêndio destruir um imóvel ou parte dele sabe que muito mais impactante do que a beleza das chamas é a tristeza que bate por causa da destruição pelo fogo.

É triste ver um imóvel arder, consumido pelas chamas. Acompanhar a queda do telhado e das paredes, ver os escombros desmoronarem, levantando fagulhas… Fumaça e poeira abatem moralmente qualquer pessoa com um mínimo de sentimento e noção do valor e da importância das coisas.

Mas mais triste do que ver o incêndio é entrar no imóvel depois que as chamas são controladas. As paredes remanescentes ostentando as marcas das chamas, restos de pontos de fumaça, os escombros espalhados, o piso coberto por uma lama escura e com cheiro acre, composta pela água utilizada no combate ao fogo, cinzas e resto de material carbonizado.

Dependendo das proporções do incêndio e do que queimou, os restos do sinistro podem fazer um homem forte passar mal. A mistura de calor, cheiro ruim e lama espalhada pelo chão é suficiente para revirar o estômago mais resistente, causando náuseas até em quem está acostumado a lidar com cenas como essa regularmente.

Todo incêndio e seu depois é uma experiência devastadora, que marca a pessoa, inclusive deixando, para o resto da vida, o cheiro da destruição entranhado no cérebro. E ele volta e assombra muitos anos depois, quando não mais pensávamos no assunto e achávamos que estava tudo esquecido.

Se o incêndio de uma casa é triste, imagine o incêndio de um prédio de apartamentos, de uma indústria ou de um armazém de grande porte. É desolador ver o pouco que sobrou chamuscado pelas chamas, manchado pela fumaça e pela fuligem, molhado pela água utilizada para apagar o fogo.

Agora, vá mais fundo e imagine o desespero e o desamparo dos integrantes de uma escola de samba ao verem um incêndio destruir o barracão onde estão guardados os materiais, as estruturas e os preparativos para o desfile do ano que vem.

Imagine saber que o trabalho de mais de meio ano para colocar a escola no sambódromo está perdido e que há pouco tempo para encontrar uma solução para o problema e refazer tudo até a data do desfile.

Pior ainda, imagine que o galpão não tem seguro, como costuma acontecer nessa atividade, e que a falta de recursos compromete a capacidade de sacrifício dos integrantes da escola, dispostos a pegar no batente e fazer hora extra para refazer o que foi perdido. Trabalhar como, se não tem material? Fazer hora extra para quê, se não tem nada para ser feito?

Mas há ainda uma situação mais dramática. O incêndio de uma favela, centenas de barracos devorados pelas chamas, sem que os moradores possam fazer alguma coisa para salvar seus poucos bens é um dramático retrato da brutalidade do inferno, sem que haja certeza de que os moradores atingidos mereçam o inferno.

Quanto mais pobre a comunidade, mais inflamáveis os materiais utilizados para a construção dos barracos, maior a propagação das chamas e a destruição, em caso de um incêndio, atingir a área.

A começar pela possibilidade de um número elevado de mortos e feridos graves até a perda de tudo que os moradores atingidos possuíam, a calamidade é devastadora e impactará para sempre a vida das vítimas, a partir daquele momento jogadas no mundo sem muita esperança de alguma coisa além da ajuda parcial, paliativa e temporária das autoridades.

Desenvolver um seguro que minimize as perdas decorrentes da tragédia não é difícil, nem complicado. As seguradoras podem fazer isto individualmente ou dentro de um consórcio, como o do seguro obrigatório de veículos. E a forma da disseminação ampla e irrestrita da proteção se daria através da inclusão de duas garantias, com capitais fixos, no cartão do Bolsa Família. A primeira seria um seguro de vida protegendo a família do titular do cartão, no caso de sua morte. E a segunda, um seguro que garantisse a reconstrução da moradia e a aquisição dos móveis e utensílios, em caso de sua destruição. O preço seria muito barato e o Governo poderia inclusive subsidiar uma parte.

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