A inflação pode complicar o jogo
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
Economistas de peso dizem que a inflação deste ano pode passar o teto de 2% acima da meta de 4,5% prevista para 2014. Seria um desastre para a imagem do país, mas não seria um desastre tão maior do que já aconteceu em função dela já estar na casa dos 6%.
Se alguma atividade empresarial brasileira sabe bem o custo da inflação, esta é a formada pelas empresas que atuam no setor de seguros. Até o Plano Real o setor amargava uma participação de menos de 1% no PIB, sendo que atualmente este percentual subiu para perto de 6%.
A razão para este crescimento a partir de 1994, ou melhor, a razão para a participação insignificante de uma atividade importante para o país no PIB anterior a 1994 tem nome: inflação alta.
A natureza especial da operação de seguro, baseada na constituição de um fundo comum para fazer frente aos eventos danosos que afetam alguns dos participantes do mútuo, tem na inflação alta sua maior inimiga. Não há como manter o fundo íntegro num processo acelerado de perda de valor da moeda. Não há correção monetária que consiga acompanhar uma escalada inflacionária como a que o Brasil viveu da segunda metade da década de 1980 até 1994.
A melhor prova disso é o que aconteceu com a maioria dos seguros de vida individuais e montepios. Foram devorados pelo processo inflacionário porque não tinham correção monetária atrelada a eles. E mesmo a correção monetária, depois de um determinado patamar, não conseguia compensar a desvalorização da moeda.
O processo era tão alucinado que foi criado um indexador para servir de parâmetro para o recebimento dos prêmios e o pagamento das indenizações. Depois de um tempo, os pagamentos eram feitos em FAJ-TR. O resultado disso é que nos seguros de pessoas o Brasil consolidou o seguro de vida em grupo. E nos seguros patrimoniais até hoje existe uma grande defasagem entre as necessidades de proteção e as apólices emitidas.
O Brasil está longe do processo inflacionário debelado pela implantação do Plano Real em 1994. Naquela época, a inflação ultrapassava 1000% ao ano. Atualmente estamos falando de uma inflação de 6 ou 6,5% ao ano, algo ainda controlável, desde que se tomem medidas adequadas para isso.
O problema é que até agora o governo não foi além da elevação da taxa de juros básica pelo Banco Central. Ou seja, as causas reais do problema não estão sendo atacadas. E isso pode ter consequências negativas para o país quase que imediatamente.
Recente análise publicada pelo “Estado” mostra que, em função da inflação atual, as cadernetas de poupança terão dificuldades em remunerar positivamente o dinheiro investido nelas. Este quadro fica mais grave quando se trata da previdência privada aberta. Pensada como investimento de longo prazo, a rentabilidade da previdência privada é menor do que a dos investimentos de curto prazo. A compensação se dá pela estabilidade econômica e pela redução do imposto de renda incidente sobre o plano.
Com o juro básico na casa dos 11% ao ano e uma inflação em 6.5% ao ano, restariam 4.5% como rentabilidade real. Acontece que sobre ela incidem os custos administrativos e o imposto de renda, ou seja, este patamar fica de novo diminuído. O risco é ele ficar negativo.
Para quem imagina que nos seguros de bens o desenho é melhor, vale lembrar que o seguro de automóveis costuma usar a remuneração do investimento dos prêmios para melhorar o custo do negócio. Quando este resultado diminui por conta da inflação, a única maneira da seguradora manter a integridade do mútuo é elevar o preço dos seguros. E isto nem sempre pode ser feito, por diversas razões.
Como não é apenas o setor de seguros quem sofre com a inflação, vindo antes dele, com certeza, o salário do trabalhador, espera-se que o governo, pressionado pela queda do poder aquisitivo, comece a agir para debelar o mais cruel dos problemas econômicos. Ninguém duvida, 2015 tem tudo para ser pior que 2014. O problema é que, se as causas da inflação não forem atacadas, pode ficar pior ainda.
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