As barragens de Mariana
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
O rompimento de duas barragens em Mariana, Minas Gerais, levanta uma questão da maior importância para a segurança da parte da população brasileira instalada em áreas próximas de represas, lagos ou açudes.
O acidente aconteceu porque duas barragens de uma mineradora se romperam, uma depois da outra, jogando lama numa onda que se espalhou por vasta região, parte dela composta por um bairro que foi praticamente destruído pela força e quantidade do material que extravasou.
Em teoria, uma empresa como a proprietária das represas que estouraram tem boa gerência de riscos e toma as medidas necessárias para manter suas instalações e equipamentos em boas condições de funcionamento e segurança. É da boa gestão empresarial minimizar riscos, adotando os procedimentos mais indicados para cada situação. Ao que consta, as duas represas não apresentavam nenhum indício exterior de que poderiam se romper. Mas aconteceu. E os danos foram imensos, tanto em nível patrimonial, como em nível ambiental, passando pela morte de várias pessoas, muitas ainda desaparecidas.
Qual o valor da indenização final dos danos decorrentes de um evento desta natureza? Difícil calcular. Há muito a ser apurado e quantificado. Se os danos patrimoniais, corporais e morais podem ser calculados mais ou menos rapidamente, os danos ambientais necessitam estudos altamente complexos, que avaliem os danos diretos e indiretos causados pelo rompimento das barragens. Seja como for, uma coisa é certa: o valor da indenização será bastante expressivo e capaz de quebrar uma empresa de grande porte que não tenha seguro.
É aí que mora o perigo. O Brasil tem milhares de açudes, lagos e barragens, boa parte construídos sem planejamento ou projeto de engenharia, e que estão aí, à margem de qualquer fiscalização.
Qual o potencial de danos que eles representam? Um açude de fazenda, se a barragem se romper, é capaz de derramar enorme quantidade de água, muitas vezes num regato cuja calha não tem capacidade para conter a enxurrada, mas é suficiente para levá-la rio abaixo, misturada a uma massa de detritos capaz de destruir o que encontrar pela frente.
Mas os açudes não são os únicos riscos representados por lagos com e sem controle. Ficando apenas no campo industrial, quantas empresas possuem barragens de contenção ou armazenamento de produtos e dejetos? Com certeza não são apenas as mineradoras. Quem faz o controle da segurança destes lagos? Será que as vistorias e ações de prevenção de acidentes são confiáveis?
Para quem deseja emoções mais fortes, quantos lagos existem, apenas em São Paulo, com finalidades distintas, como regulação dos sistemas de represas, geração de energia e fornecimento de água? Quantos rios possuem mais de uma represa ao longo de seu curso?
São questões importantes para a defesa civil, mas são também importantes para as seguradoras. Hoje, com certeza, a maioria destes reservatórios não tem seguro de nenhuma espécie. Mas vários, principalmente os pertencentes ou administrados por grandes companhias, são segurados, inclusive com apólices de responsabilidade civil.
As apólices de RC brasileiras dão cobertura para os danos ambientais de origem súbita. O rompimento de uma barragem se enquadra nesta definição. Então o seguro de RC da empresa responsável pelo rompimento e vazamento, além dos danos patrimoniais, corporais e morais, responderá também pelos danos ambientais decorrentes do acidente. Será que as seguradoras que garantem estas apólices atentaram para isto?
As especializadas, com certeza. Mas e as que entram no negócio para aumentar o faturamento, será que também levam em conta o dano máximo possível ao precificar o seguro?
Se hoje não há muita atenção sobre o assunto, o acidente de Minas Gerais pode ser um divisor de águas, um alerta para a sociedade sobre a necessidade e a importância de, se não se dimensionar, pelo menos conhecer o risco representado pelos açudes, lagos e represas espalhados pelo território nacional.
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