Penteado Mendonça Advocacia

Herdeiro de uma tradição jurídica iniciada em 1860.

PT | EN

Insira abaixo seu e-mail caso deseje fazer parte do nosso mailing:

Estamos à disposição: contato@pmec.com.br 11 3879.9700

Crônicas & Artigos

em 09/07/15

1932 – A vitória da derrota

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

A análise da Revolução de 1932, feita 83 anos depois, mostra um quadro complexo, no qual o insucesso inicial poucos anos depois se transforma em importante vitória, que molda o desenvolvimento do Estado de São Paulo e abre as portas para o acelerado processo socioeconômico que em 80 anos consolida as mudanças que vinham acontecendo desde a segunda metade do século 19.

A experiência das trincheiras, das dificuldades e dos horrores da guerra vivida pelos soldados aproxima as pessoas e derruba os preconceitos, permitindo a integração plena da população do estado, interagindo através de uma sociedade flexível e aberta, onde o mérito e o esforço valem mais que nomes e posições de famílias.

Com a criação da Universidade de São Paulo, em 1934, a população passa a ter acesso a tecnologias, ciências e conhecimentos modernos, ministrados por professores preparados, e isso forma um quadro diferenciado de cientistas, pesquisadores, homens públicos, empreendedores, empresários e profissionais liberais. São eles que comandam a industrialização e a modernização econômica de São Paulo, processo que se acelera e ganha corpo com a derrota no campo de batalha, na guerra de 1932.

Politicamente, o movimento de 1932 foi um fracasso. Pouco antes da eclosão da luta armada, o estado de São Paulo ficou isolado, comido vivo pela habilidade política, conchavos e promessas de Getúlio Vargas, que levaram o Rio Grande do Sul e Minas Gerais a abandonarem os paulistas à própria sorte, apesar dos acordos de união eterna assinados entre os três estados. Quando a guerra eclodiu, São Paulo viu-se praticamente só, acompanhado apenas por Mato Grosso, de onde deveriam vir tropas que nunca chegaram.

Diplomaticamente, o movimento foi um fracasso. São Paulo não conseguiu convencer a comunidade internacional a reconhecer o “Estado de Beligerância” no Brasil. Este reconhecimento era fundamental para os paulistas. Ao perceber que o quadro político de São Paulo começava a se deteriorar, e que a consequência poderia ser um levante armado, Getúlio Vargas rapidamente removeu do estado o armamento moderno. Quando a revolução começou, São Paulo estava mal armado e suas tropas mal treinadas. Apenas o acesso ao mercado internacional de armas poderia reverter a situação francamente favorável ao Governo Federal, dando chance aos soldados paulistas de lutarem em igualdade de condições. Todavia, a diplomacia federal foi mais eficiente e conseguiu impedir o reconhecimento do “Estado de Beligerância” pelas demais nações, especialmente as fabricantes de armamentos, o que impediu os paulistas de adquirirem o material bélico necessário para prosseguir na luta com chance de sucesso.

Estrategicamente, o movimento foi um fracasso. Quando a Revolução estourou, no dia 9 de julho de 1932, a única possibilidade concreta de vitória era através da marcha acelerada para o Rio de Janeiro. Se os paulistas ameaçassem a Capital Federal, era praticamente certo que as tropas do Primeiro Exército se levantariam e deporiam Getúlio Vargas.

Os paulistas partiram em direção ao Rio, mas, pouco antes da divisa dos dois estados, o Coronel Euclides Figueiredo ordenou a suspensão da marcha até a chegada dos Generais Isidoro Dias Lopes e Bertoldo Klinger, ambos mal escolhidos pelos líderes revolucionários para comandar as operações de guerra. Como nenhum deles estava em São Paulo, o comandante em exercício decidiu, em vez de seguir em frente e invadir o Rio de Janeiro, fazer alto e aguardar a chegada e as decisões dos dois generais.

Essa pausa foi o tempo necessário para Getúlio Vargas cooptar os militares aquartelados no Rio de Janeiro e concomitantemente mobilizar o país contra os paulistas. Daí em diante, São Paulo não ameaçou mais a Capital Federal e rapidamente passou apenas a se defender, limitando a luta às suas fronteiras, atacadas progressivamente com mais força pelas tropas federais, melhor treinadas e equipadas, vindas diariamente de praticamente todos os estados brasileiros.

Na luta, o movimento foi um fracasso. As tropas paulistas eram compostas por voluntários sem qualquer experiência militar, soldados e oficiais do exército e soldados e oficiais da Força Pública, estes, em teoria, os mais bem preparados para os combates. Todavia, o que se viu em várias frentes – e as narrativas dos participantes dos combates feitas logo após o final da luta não dão qualquer margem a erro – foi o comportamento vergonhoso de parte dos encarregados de comandar as tropas no campo de batalha. Episódios de falta de liderança, falta de preparo e comprometimento, covardia e traição, e o abandono de equipamentos e da tropa pelos seus comandantes são recorrentes nos principais livros sobre a campanha militar de 1932. Da mesma forma, são recorrentes as narrativas indignadas contando do abandono das posições pelas tropas sem liderança.

É verdade, há exemplos de bravura e competência, como a Coluna Romão Gomes, o Trem Blindado e o Túnel, mas eles foram insuficientes para fazer a sorte pender para as cores paulistas.

O que fez a diferença na Revolução de 1932 – e em dois anos transformou a derrota no campo de batalha em vitória socioeconômica – foi a mobilização popular. Já logo depois da Revolução de 1930, a população do estado, independentemente de classe social e origem, se levantou em defesa de seus ideais e de seu modo de vida. São Paulo não aceitou o interventor João Alberto, nem as ideias e experiências dos “tenentes” que tentaram impor o seu modo de ver o Brasil, completamente diverso das aspirações dos paulistas, comprometendo a capacidade produtiva do estado e o estágio de desenvolvimento social duramente alcançado em 60 anos de progresso acelerado.

Durante dois anos, as manifestações de rua contra a ditatura e as tentativas de modificação do cenário político-social se sucedem rapidamente, ganham visibilidade e tamanho, deteriorando a cadeia de comando e desmoralizando o interventor. O momento culminante é o 23 de maio de 1932, quando Martins, Miragaia, Dráuzio, Camargo e Alvarenga morrem metralhados pelos correligionários de João Alberto.

Durante a luta armada, o retrato mais forte da revolta do povo, de todas as classes sociais, são os batalhões de voluntários, formados por cidadãos das mais diferentes origens, a maioria sem qualquer familiaridade com a vida militar ou o uso de armas, rapidamente fardados, armados e enviados para as frentes de combate. As fotografias das filas nos locais de alistamento, das tropas sendo preparadas, marchando pela cidade e embarcando nos trens que as levariam para os diferentes setores da guerra contrastam com o comportamento triste de parte de seus comandantes no campo de batalha.

Mas a mobilização popular foi muito além. A indústria paulista, então um vago esboço do que viria a se tornar, mostrou criatividade e pujança impressionantes, transformando-se, em poucas semanas, de fabricante de tecidos, alimentos e objetos pouco sofisticados numa eficiente indústria bélica, capaz de produzir parte das armas e munições necessárias para a manutenção da luta – morteiros, granadas, trens blindados e carros de combate.

A criação do MMDC (sigla composta pelas iniciais dos nomes de quatro dos primeiros paulistas a morrerem) para coordenar os serviços necessários para a manutenção das operações militares e o funcionamento da máquina administrativa do estado foi um passo ousado e eficiente dado pelas lideranças civis da Revolução. Através dele foi possível a coordenação das ações e a distribuição do material necessário para a guerra e para a vida civil.

A transformação da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo em hospital de sangue permitiu o atendimento médico hospitalar das vítimas da guerra. E a participação ativa das mulheres paulistas como enfermeiras, nos escritórios, nas fábricas e na linha de frente teve peso fundamental para que o estado pudesse combater, se defendendo por três longos meses do ataque maciço das tropas federais.

Conhecendo o Brasil de 1932, não é de se imaginar que a ideia da luta por uma Constituição fosse a mola mestra do movimento. Era uma bandeira, mas algo pouco claro para grande parte dos paulistas. É preciso se ter claro que, à época, a maioria da população vivia na zona rural e era analfabeta. Se hoje é difícil encontrar quem saiba o que é uma Constituição, imagine naqueles dias.

A força motriz que empolgou as massas e fez de cada paulista um soldado foi a mesma energia que, num processo iniciado na segunda metade do século 19, transformou São Paulo no estado mais rico e desenvolvido do Brasil. A população, composta pela miscigenação de antigos brasileiros e imigrantes recém-chegados, tinha como marca registrada, que a diferenciava do restante do Brasil, a independência, a coragem, o conhecimento, a tecnologia e a vontade de progredir, de gerar riquezas, de abrir novos rumos, descobrir novos Eldorados, criar impérios e expandir seu campo de atuação. Era a velha garra do bandeirante e do tropeiro somada à vontade de vencer do imigrante derrubando barreiras sociais e preconceitos, criando uma sociedade moderna, com educação de qualidade, saúde pública eficiente e a possibilidade quase ilimitada de melhorar o padrão de vida das famílias.

As trincheiras de 1932 aprofundaram os valores democráticos do povo paulista. Nelas, homens de todas as origens e condições sociais se encontraram, se protegeram mutuamente, se conheceram e se identificaram na dificuldade, na sujeira das trincheiras, no medo dos tiros, na brutalidade das marchas e dos combates. Fazendeiros e operários, banqueiros e trabalhadores rurais, filhos de homens ricos e filhos de homens pobres viveram a mesma realidade, unidos pela necessidade de sobreviver em meio a uma guerra. Foi isso que fez São Paulo lutar durante três meses uma luta perdida logo depois do seu começo. E a consequência direta, fruto da união de todos os segmentos sociais no momento de enorme dificuldade, foi a vitória dos sonhos, das aspirações, do modo de vida e da visão de mundo paulista, não no campo de batalha, mas no campo socioeconômico.

O movimento mais visível foi a fundação da Universidade de São Paulo em 1934. Graças às lideranças e profissionais formadas em seus bancos, São Paulo acelera seu desenvolvimento, com a industrialização, o comércio e os serviços ganhando corpo e se apresentando como alternativas viáveis para o café. Rapidamente a economia se diversifica. No campo, a cana de açúcar, o algodão, os grãos e a pecuária criam novas fontes de riqueza. As cidades se transformam em ímãs e a população migra para as áreas urbanas, onde novos empreendimentos e suas cadeias de suporte criam chances de sucesso rápido e concreto.

Se a Revolução de 1932 foi um desastre político e militar, suas consequências foram altamente positivas para São Paulo e, no longo prazo, para o Brasil. Graças à reação dos paulistas ao fracasso no campo de batalha, o Brasil, em 50 anos, deixou de ser um país pobre, dependente do café e da cana de açúcar, para se transformar numa das maiores economias do mundo.

Voltar à listagem