Lúcia descansou
A Lúcia descansou. Saiu de cena, discreta. Fiquei sabendo que estava internada quase ao mesmo tempo em que fiquei sabendo de sua morte.
Às vezes, a morte é uma solução. Quando a dor e o avanço da doença são inexoráveis, sair de cena é a melhor solução. Deus é amigo de quem sai de cena rapidamente, sem sofrimento. Como diz o caipira: ”acordou morto”. A vida muda de plano sem aviso. Para-se de respirar e pronto.
Com a Lúcia não foi assim. Entre a descoberta do câncer e a morte se passou um bom tempo. Mas ela nunca perdeu a alegria, nem a esperança, nem a certeza de que Deus dava o que era melhor para ela e que D. Fernando Figueiredo, bispo de Santo Amaro, era a pessoa certa para intermediar suas relações com o Altíssimo.
Lúcia era empregada do poeta Paulo Bomfim. Empregada? Não, Lúcia era o anjo bom que velava todos os dias pela vida do poeta, pelo conforto, pela saúde, pelos amores, pelo humor, pelas amizades, pelas refeições, pelo sono de noite, mesmo naquelas noites em que é tão difícil dormir.
Se Lúcia quisesse, alguns segredos bem guardados poderiam ser expostos, com consequências eventualmente complicadas para gente importante. Mas Lúcia era mais do que discreta, era compreensiva e, na sua simplicidade, tinha a sabedoria das pessoas boas e sabia que o que ela ouvia na casa do poeta era para ficar na casa do poeta.
Grande cozinheira, Lúcia, treinada durante anos pela Emy, fazia dos almoços no apartamento aconchegante um confessionário, onde todos os pecados eram remidos, antes de serem pecados.
O sorriso de Lúcia era mágico. Tinha o dom de clarear os dias e as almas. O que ela gostava era de cantar, ser “back vocal” do Padre Marcelo Rossi, e, nos almoços do poeta, mostrar suas composições para os amigos.
Lúcia descansou. Lúcia fará muita falta.
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