Crise, inflação e seguro
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
Se há três palavras que não combinam são as do título do artigo. Não tem matemática que faça crise, inflação e seguro dar certo. As duas primeiras são absolutamente antagônicas aos princípios básicos que norteiam o contrato de seguro.
Para que o seguro prospere é indispensável estabilidade, regularidade, solidariedade e boa-fé. Estes são os pressupostos essenciais para que a proteção securitária encontre campo fértil para se desenvolver e alcançar os objetivos sociais que são sua razão de ser.
Seguro, nunca é bastante repetir, é uma ferramenta de proteção social criada há mais de 4 mil anos e que tem se mostrado extremamente eficiente para garantir o patrimônio e a capacidade de atuação de uma sociedade, inclusive em épocas de guerra, como narra a lenda que conta da garantia securitária oferecida pelas seguradoras britânicas para os navios que integravam os comboios que cruzavam o Atlântico, durante a Segunda Guerra Mundial.
Verdadeira ou não, a narrativa mostra como o seguro funciona como instrumento de recomposição e reposição dos bens atingidos por eventos danosos, repartindo as perdas entre todos os integrantes de um grupo com riscos semelhantes. Para que a frota mercante britânica fosse segurada, era indispensável que todos os seus navios fossem segurados. Como não é possível o afundamento de todas as embarcações dentro de um determinado período de tempo, o mutualismo composto pelos prêmios pagos por cada navio era suficiente para fazer frente aos prejuízos decorrentes dos naufrágios, ainda que em números elevados, causados pelas ações dos submarinos alemães.
A capacidade econômica de custear a construção de novos navios, somada à capacidade de produção da indústria de guerra norte-americana, que entregava, em média, um navio mercante a cada três dias, fez com que a velocidade de reposição dos navios fosse maior do que a capacidade de afundá-los, possibilitando que o Reino Unido fosse abastecido pelos Estados Unidos e outras nações aliadas ou neutras.
A essência do seguro é o mutualismo, ou o fundo comum constituído pelo pagamento dos prêmios de todos os segurados, de forma proporcional ao risco de cada um.
Aqui surge a primeira explicação de porque as três palavras do título são incompatíveis entre si. O processo inflacionário corrói o valor da moeda, diminuindo a capacidade do fundo honrar seu compromisso de repor o patrimônio atingido. Esta diminuição se dá de duas formas. A primeira, pela perda de valor da moeda, que reduz o potencial de compra do mútuo. E, a segunda, pelos reajustes de preço que o bem segurado sofre, periodicamente, em função da desvalorização da moeda.
Ninguém que se lembre da crise econômica dos anos 1980/90 tem dúvida do que um processo inflacionário pode fazer, nem de como a atividade seguradora é impactada pela incapacidade do fundo de manter seu valor constante. Entre outras razões, a inflação explica porque, naquela época, o setor de seguros representava menos de 1% do PIB.
Se a situação fosse decorrente apenas da inflação, já seria muito difícil de ser equacionada sem a reintrodução da correção monetária. O problema é que, neste momento, além da inflação, o país atravessa uma grave crise moral, que tem efeitos dramáticos sobre o dia a dia político, que, como não poderia deixar de ser, mina a confiança da sociedade.
Seguro não sobrevive sem confiança. O contrato de seguro é um pedaço de papel com promessas de cumprimento futuro e aleatório feitas pela seguradora, pelas quais o segurado paga antecipadamente. Sem um grau mínimo de confiança, ninguém se atreveria a contratar uma apólice. E é este o ingrediente que vai sendo corroído pela crise que se abate sobre o país.
Até agora, o setor de seguros tem se mostrado bastante resistente aos efeitos da crise. Ainda não se verifica a quebra da confiança indispensável para o funcionamento da atividade. Os segurados continuam contratando suas apólices, ainda que em ritmo mais lento do que vinham fazendo anteriormente. E os produtos de previdência privada continuam com forte demanda.
Mas, se a crise não for equacionada e a nação não começar a acreditar numa luz no final do túnel, a situação pode começar a se deteriorar, com impacto negativo no setor, mas, principalmente, na capacidade de proteção social do país.
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