Resseguro é coisa séria – 3
Originalmente publicado no jornal Sindseg SP
por Antonio Penteado Mendonça
As Resoluções 224 e 225 de 2010, do Conselho Nacional de Seguros Privados, têm curiosidades interessantes. Por exemplo, foram baixadas duas Resoluções tratando da mesma matéria para modificar a Resolução 168/07, que regulamenta a Lei Complementar 126/07. Por que não foi baixada uma única Resolução, como seria lógico?
Uma resposta seria que o Governo, ou pelo menos o funcionário responsável por elas, maquiavelicamente, fez isso de propósito, já pensando numa moeda de troca com o mercado, que, evidentemente, não aceitaria as disposições das duas Resoluções, por serem absolutamente contrárias aos interesses do país e da atividade.
Uma das Resoluções determina que as resseguradoras locais não podem ceder o que ultrapassar sua capacidade de retenção para empresas do mesmo grupo no exterior. A outra determina que as seguradoras em operação no Brasil devem contratar obrigatoriamente 40% de cada cessão de resseguro com resseguradora local.
Como se vê, as matérias são complementares, mas foram baixadas duas Resoluções para modificar o que foi corretamente disposto, ainda em 2007, através da Resolução 168, para normatizar a Lei Complementar 126/07, que acabou com o monopólio do resseguro.
Atualmente, as resseguradoras locais detêm 47% dos resseguros gerados pelo Brasil, o que mostra que a capacidade técnica e profissional destas empresas tem lhes garantido um percentual de mercado maior do que o previsto na lei, justamente para protegê-las.
Onde a coisa pega é que o IRB Brasil Resseguros, que até 2008 tinha mais de 80% dos resseguros brasileiros, por razões que não precisam ser analisadas aqui, viu sua participação cair para algo em torno de 25%. E o IRB é controlado pelo Governo, que sabe que a tendência é ele continuar perdendo participação.
Pretender que o mercado ressegurador brasileiro retenha 40% dos resseguros gerados no país, sem repassar o excesso de capacidade para o exterior, é não ter noção do que isso significa ou, pelo menos, não conhecer o funcionamento da atividade resseguradora.
Como escrevi no artigo da semana passada, só as grandes obras previstas para os próximos anos significam investimentos de mais de 300 bilhões de reais. Ou seja, com a regra acima, o mercado brasileiro necessitaria, numa conta muito simples, capital para reter 120 bilhões de reais no país, o que não existe, nem vai acontecer.
A título de comparação, a soma dos patrimônios líquidos do Bradesco e do Itaú, os dois maiores bancos privados brasileiros, não seriam suficientes para dar conta do recado. Imaginar que os grandes grupos internacionais farão estes aportes é acreditar em fadas, não conhecer o setor de resseguros ou criar uma moeda de troca para tentar salvar o IRB.
Eu não tenho bola de cristal para saber o que levou à edição destas duas Resoluções. Mas eu sei que a atividade seguradora, através do resseguro e da retrocessão, é uma atividade globalizada e de capital intensivo. Assim não há a menor necessidade deste dinheiro ser trazido para o Brasil.
De outro lado, as regras de transparência e controle de seguradoras adotadas pela maioria dos países sede das grandes corporações, faz com que a cessão de negócios para empresas do próprio grupo seja, em verdade, uma prova de confiança na operação da subsidiária que fez a cessão, já que estas regras exigem o comprometimento de grande quantidade de capital próprio para garantir os riscos assumidos por ela.
Dentro da ideia de moeda de troca para salvar o IRB, seria lógico supor que o mercado prefere que seja permitida a cessão de negócios para empresas do mesmo grupo instaladas no exterior. Então, revogue-se esta, mas deixe a outra. Onde a conta não fecha é que isso não salvará o IRB. O que o IRB precisa é um choque de gestão. Sem isso, continuará a perder competitividade, tanto faz o que o Governo faça. E se ele fizer mais do que deve, como é o caso agora, quem corre o risco de pagar o preço é a sociedade brasileira, que pode não encontrar proteção para parte de seus riscos.
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