Saúde, o rombo é maior
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
É curioso como as autoridades de todos os níveis de governo falam em saúde e em tudo o que fizeram, fazem e ainda pretendem fazer para melhorar o atendimento da população brasileira, evidentemente priorizando os moradores de sua área de responsabilidade.
Em termos de demagogia vale tudo, de médico cubano a esqueleto de hospital.
Em termos reais, o Brasil é um dos únicos países do mundo onde o gasto com saúde da iniciativa privada é maior do que o do Governo. Ou seja, é o agente público quem despreza a Constituição e não atende a população nos patamares exigidos pela Carta.
Numa comparação de dono de padaria, os Estados Unidos gastam por ano mais de 3 trilhões de dólares com saúde. Já o gasto do Brasil, no mesmo período, é de aproximadamente 300 bilhões de reais, o que, ao câmbio atual, é menos do que 150 bilhões de dólares.
O que torna o discurso oficial mera peça de fantasia é que, dos 300 bilhões acima, o governo contribui com mais ou menos 1/3, enquanto os planos de saúde privados completam o total.
Mas se a peça é de mentirinha, suas consequências no mundo real são desastrosas. Basta olhar uma fila do SUS em qualquer hospital público brasileiro para se ter certeza de que as coisas não vão bem no setor. E o quadro fica muito mais dramático se a visita for ao pronto-socorro de um dos hospitais de grande porte que garantem o atendimento numa determinada região.
Não é por outra razão que a Santa Casa de São Paulo passa por dificuldades seríssimas e o Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo, ameaça fechar seu pronto-socorro se não receber imediatamente pelo menos 50 milhões de reais.
Alguns atendimentos são verdadeiras obras de ficção. O cidadão marca a consulta para daqui a um ano, chega no hospital no dia agendado, o médico solicita exames e o retorno é novamente agendado para daqui a um ano, tanto faz se o paciente pode morrer antes porque a suspeita é de uma doença grave que pode evoluir para sua fase terminal.
Apenas a título de exemplo do grau de estresse do SUS, os centros de diagnóstico por imagem dos grandes hospitais que atendem a população paulistana funcionam em turnos ininterruptos de 24 horas, sete dias por semana, com paradas programadas apenas para manutenção dos equipamentos. O trágico é que, mesmo assim, não dão conta da demanda.
Não é por outra razão que os planos de saúde privados vivem um paradoxo curioso. Ao mesmo tempo em que são desancados pelas mais diversas razões, são o sonho de consumo de uma enorme parcela da população. Justamente a parcela que se vale da rede pública e come o pão que o diabo amassou, enquanto espera nas intermináveis filas do SUS.
Dos 200 milhões de brasileiros apenas 50 milhões possuem planos de saúde privados. E, no entanto, estes planos gastam quase duas vezes mais do que o Governo, que atende 150 milhões de pessoas.
Ninguém discute que os planos de saúde privados estão longe da perfeição. Aliás, justamente por causa do aumento da demanda, pelo ingresso de alguns milhões de novos segurados num espaço curto de tempo, está se consolidando um problema novo: os segurados dos planos de saúde privados estão tendo que aguentar longas filas para serem atendidos, até nos hospitais mais caros do país.
E é uma realidade que não pode ser modificada em poucos dias. Investimentos no setor são caros e de maturação lenta. Assim, os hospitais privados, em função dos clientes dos planos de saúde, estão trabalhando no limite de sua capacidade, o que faz com que o atendimento, principalmente em seus prontos-socorros, demore a acontecer.
Enquanto o discurso político for completamente diferente da realidade, enquanto os hospitais que atendem o SUS forem mal pagos, enquanto os investimentos forem feitos com fins eleitoreiros não há nada que alguém possa fazer para melhorar o atendimento médico-hospitalar do brasileiro.
Ou o Governo deixa de fazer demagogia ou a vaca vai continuar no brejo, como sempre, prejudicando mais os milhões de brasileiros que têm menos, enquanto os políticos chegam nos hospitais de ponta voando em helicópteros de ponta.
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