O trânsito é um retrato feio do Brasil
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
É comum eu voltar ao tema da violência nesta coluna. A razão para isso é simples: a violência é uma epidemia mais mortal do que a dengue ou comparável ao Covid19 em seu auge. E ela impacta diretamente o mercado segurador.
Só assassinatos, em 2023, aconteceram quase quarenta mil. E as mortes no trânsito não estão muito longe desse número. Mas estes são os dados que chamam mais atenção. Existem outros tão ou mais cruéis. Violência contra a mulher, estupros, abuso sexual contra crianças e adolescentes, crimes de ódio, se somados, teremos mais de um milhão de casos sem fazer força. E ainda temos todos os roubos e furtos que elevam a soma para patamares apavorantes.
As ruas brasileiras são o palco ideal para se estudar o que está acontecendo e que tem na base o esgarçamento dos padrões éticos indispensáveis para o funcionamento de uma sociedade organizada. A regra é o mais absoluto desprezo por qualquer regra. E como as autoridades encarregadas também não são famosas pelo bom desempenho de sua missão, o que se vê é a soma perversa do abuso com a incompetência, com todos os resultados que fazem do nosso trânsito um dos mais violentos do mundo.
Não é caso de culpar quem quer que seja, mas é indispensável reconhecer a falta de respeito de parte dos motoristas pela legislação e, mais grave, pela vida dos outros. A tranquilidade com que assumem a possiblidade de matar outra pessoa, seja por dirigir embriagado, seja por excesso de velocidade, seja por trafegar na contramão ou outro motivo fútil mostra que parte dos motoristas brasileiros não respeita a ordem social vigente, não apenas nas ruas, mas em todas as situações. Para eles, a letra da lei é um livro que nunca leram, não conhecem e não querem conhecer. Daí a assassinar alguém por uma discussão de trânsito é um passo. Da mesma forma que atirar em outra pessoa por causa de um jogo de futebol. As duas situações mostram com clareza o desprezo dessas pessoas pela vida humana.
É raro o dia que os telejornais não mostram cenas apavorantes que acontecem nas ruas brasileiras, desde atropelamentos, porque não respeitam as faixas de pedestres, e acidentes causados por excesso de velocidade até perseguições e tiros, porque alguém fez uma manobra que desagradou outro alguém. O drama da maioria das cenas é a sua banalidade. Não tem valor moral, não tem respeito à vida, é como se tudo fosse permitido e não houvesse na lei a possibilidade de punição para o responsável pelo ato.
Se somarmos a isso a violência do Estado, representada principalmente pela sua ausência ou prestação deficiente de serviços sociais indispensáveis, o quadro fica ainda mais grave. Quando milhões de pessoas são vulneráveis à fome, quando cem milhões de brasileiros vivem com menos de dois mil reais por mês, quando os serviços de saúde não atendem minimamente as necessidades de centenas de milhares de pessoas e a educação é estruturalmente deficiente, não há muito que possa ser feito para reverter o quadro, pelo menos no futuro próximo.
Isto posto, e sem entrar nas consequências das mudanças climáticas, a conclusão é óbvia: não tem como os seguros em geral não custarem caro no Brasil.