Considerações sobre o contrato de seguro
Originalmente publicado no jornal Tribuna do direito
por Antonio Penteado Mendonça
Doutrina e jurisprudência são unânimes em considerar o contrato de seguro um contrato de adesão. O tema é pacífico, portanto, não merece ser discutido no que tange ao seu conceito básico. O que deve ser analisado é se este contrato se encaixa dentro da definição pura do que é um contrato de adesão, de acordo com o Artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor.
Curiosamente, a resposta será: depende. Se a análise se pautar pelas condições do bilhete do Seguro Obrigatório de Veículos Automotores Terrestres (DPVAT), a resposta será: sim, este contrato é um contrato de adesão puro, contendo todas as características essenciais para tipificá-lo. Sob esta ótica, não há diferença expressiva entre o clausulado do DPVAT e o clausulado de um contrato de garantia de uma geladeira. Nos dois instrumentos o consumidor não tem qualquer participação ativa, sendo obrigado a aderir, integralmente, ao que lhe é apresentado pelo fornecedor do produto ou serviço.
Cabe a ele se sujeitar aos termos propostos, aderindo sem possibilidade de discussão ou alteração significativa do contrato, nos exatos termos do Artigo 54 do CDC. Por outro lado, nesta situação, o consumidor do seguro obrigatório tem a proteção da lei nos casos de abuso por parte da seguradora responsável pelo seguro obrigatório impresso no bilhete.
Já a situação não é tão pacífica numa apólice de seguro de automóvel. Nela estão presentes várias das características exigidas para os contratos de adesão, mas surgem também tipicidades novas, que não se coadunam integralmente com a definição do CDC para este tipo de contrato.
O seguro de automóvel, na forma normalmente comercializada, é a soma de três seguros num único documento. Em verdade, a apólice de seguro de veículo é composta pelo seguro do próprio bem, o seguro de responsabilidade civil e o seguro de acidentes pessoais do motorista e dos passageiros.
Cada um deles tem condições específicas para fazer frente aos riscos que devem indenizar. Assim, o seguro do próprio bem, ou o seguro do casco do veículo, é um seguro patrimonial, que se destina a garantir as indenizações para os prejuízos decorrentes dos eventos pré-estabelecidos no contrato, de acordo com a vontade do segurado. Nesta garantia o contrato de adesão deixa de ser absoluto. Ainda que se materializando no clausulado imposto pela seguradora, a adesão deve ser vista de forma relativa, na medida em que é ele quem determina o valor do bem, a garantia e a franquia. Ou seja, não é possível invocar o contrato de adesão para obrigar a seguradora a responder por indenizações para as quais, em função da vontade do segurado, as garantias deixaram de ser contratadas.
Detalhando, para deixar mais claro o exemplo, o seguro do veículo oferece, regularmente, garantia para colisão, incêndio e roubo, o chamado seguro compreensivo, ou garantia apenas para incêndio e roubo. Ora, no caso da contratação apenas da garantia de incêndio e roubo, não é possível, por se tratar de um contrato de adesão, exigir a indenização de danos consequentes de uma colisão. Da mesma forma, o seguro compreensivo cobre danos causados por queda de árvore sobre o veículo, mas o seguro de incêndio e roubo não. Assim, também neste caso, o segurado que tiver contratado a segunda garantia não tem direito à indenização dos danos causados pela queda de uma árvore.
Já nas garantias de responsabilidade civil e acidentes pessoais dos passageiros o segurado pode apenas determinar os capitais segurados para cada uma das garantias oferecidas. Vale dizer, nestas coberturas o contrato de adesão é integral. Não há participação do segurado na determinação dos termos e condições do seguro e, por isso, a única limitação para a responsabilidade da seguradora é o valor contratado para as indenizações.
A tipificação do contrato de adesão parcial, que no seguro de automóvel pode ser detectada na garantia do próprio bem, se torna mais evidente nos seguros mais complexos. Nos seguros empresariais de grande porte, nos seguros de risco de engenharia, nos seguros de responsabilidade civil produtos e ambiental, nos seguros para prospecção de petróleo, a participação ativa do segurado é uma realidade presente em praticamente todos os contratos. Ou seja, eles não podem ser vistos da mesma forma que um bilhete de DPVAT.
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