O mal não se acaba – se esconde, se transforma
Algumas obras de arte têm o dom de mostrar com mais clareza como a vida gira e as coisas efetivamente são. Poderia citar o filme Nosferatu, de Werner Herzog, uma refilmagem do clássico de Murnau, no qual, no final, ao contrário do filme de 1922, depois da morte de Drácula e de Lucy, a heroína, Jonathan, seu marido, também mordido pelo vampiro, se transforma em vampiro.
Mas mais impactante ainda é o livro “A Peste”, de Albert Camus. A alegoria sobre a expansão dos regimes ditatoriais é evidente na história da epidemia que assola Orã, na Argélia, matando de forma dramática e dolorida parte da população da cidade, atingida pela peste, que se espalha trazida pelos ratos que morrem dentro dos imóveis.
A história começa relativamente tranquila, no ritmo da vida da cidade, e vai ganhando intensidade à medida que a epidemia se espalha e toma conta de Orã, dos hábitos e da moral de seus moradores, para refluir no ritmo da peste que se afasta, lentamente, até o último morto e o reaparecimento dos ratos.
Esta é a genialidade do livro. A peste não acaba, ela se afasta. Ela se esconde nos desvãos das paredes, nas frestas dos degraus, no fundo das gavetas, onde pode permanecer adormecida por décadas, até ser despertada por algum fenômeno que a lance de novo na vida das pessoas.
O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe uma nova ordem para o planeta. A vitória aliada representou, em escala universal, o refluxo da peste, do mal, que nunca acabou nas realidades regionais.
Ao contrário, escondido pelos conflitos locais, sem a visibilidade do dano real, durante décadas, o mal, como a peste, se fortaleceu. Agora, lentamente, ele começa a sair de seus esconderijos. Mais do que nunca, os homens de bem precisam impedir que ele se espalhe.
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